PÁGINAS

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Serviço de Inspeção Federal.

O Serviço de Inspeção Federal brasileiro é o Judas da vez.
E como era de se esperar, a imprensa já disparou sua cobertura carnavalesca e deu início à histeria coletiva.
Semana passada, a Polícia Federal desbaratou um esquema de adulteração de leite (com uso de conservantes - soda cáustica e água oxigenada) por parte de cooperativas no estado de Minas Gerais. Ontem (30/11), os jornais já veiculavam a descoberta de uma nova falcatrua: a alteração da data de validade do queijo tipo muzzarela, também no estado de MG.
Hoje de manhã, vi num canal televisivo a coluna de um jornalista pelo qual tenho certo respeito, indagado sobre como comprovar a qualidade do leite brasileiro (sic).
Ora, vamos por partes. Primeiro de tudo: desde quando a um jornalista cabe a emissão de um parecer técnico quanto à qualidade de um produto de origem animal que regularmente é alvo (assim como todos os produtos de origem animal que carregam o selo do S.I.F.) de constantes análises oficiais em laboratórios credenciados? Se o espectador, do alto da sua ignorância, deseja uma opinião técnica e fidedigna (e não um palpite, por maior que seja a boa vontade do jornalista - o que talvez não seja o caso, já que o negócio da imprensa é criar polêmica) então que ele procure um técnico habilitado e especializado no assunto. Em todos os estados brasileiros existem as Superintendências Federais de Agricultura, representantes estaduais do MAPA, onde irão encontrar muitos profissionais capacitados a sanar qualquer dúvida de maneira racional e embasada, e não mais um pra colocar lenha na fogueira.
Segundo de tudo: pra quem não sabe (e isso a imprensa NUNCA diz), o Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal brasileiro é tido como O MELHOR SISTEMA DE INSPEÇÃO DO MUNDO, com uma das legislações mais completas, rigorosas e eficientes - o RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal), datado de 1952 e (pasmem!) utilizado eficientemente até hoje, claro que passando por constantes atualizações e adequações às crescentes tecnologias e exigências internacionais.
E agora vêm diversas empresas declararem (como eu assisti em entrevistas na TV) que desejam que o sistema de fiscalização do governo seja intensificado, que as empresas precisam de maiores garantias sobre a qualidade do que é produzido, QUE SEJAM MAIS FISCALIZADAS e etc e tal.
O que me deixa mais puto é a CARA DE PAU que alguns empresários têm de soltar uma declaração dessas. Claramente, essa é uma tentativa TORPE de queimar toda a estrutura do Serviço de Inspeção Federal brasileiro junto à opinião pública. Se a gente fizer uma forcinha, só uma forcinha de raciocínio, vamos pensar no seguinte: quem é o maior interessado em adulteração de produtos? Quem é que busca várias maneiras (lícitas e eventualmente ilícitas) de aumentar os rendimentos e conseqüentemente os lucros do que produz? É o fiscal? É o agente de inspeção? Para aqueles que não quiseram fazer a forcinha: NÃO! É O PRÓPRIO EMPRESÁRIO MAL INTENCIONADO QUE VAI APROVEITAR O MOMENTO PRA LIVRAR A CARA E QUEIMAR O GOVERNO E O SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO! ÓBVIO!
Quem tem que garantir a qualidade do que está sendo produzido é A EMPRESA, e ao S.I.F cabe fiscalizar, permanente ou esporadicamente, aquilo que é produzido. Não vamos permitir que haja essa inversão de valores. A EMPRESA É A GRANDE RESPONSÁVEL POR AQUILO QUE PRODUZ.
Não estou aqui pra livrar a cara do fiscal envolvido no caso, caso seja comprovada sua conivência ou sua participação no esquema. Muito menos estou aqui pra dizer que todas as empresas e seus proprietários não prestam. Tem muita gente boa, consciente e preocupada com a qualidade daquilo no que estão colocando o nome estampado.
Existem excelentes empresas e maus profissionais de fiscalização. Assim como excelentes profissionais de fiscalização e empresas criminosas. São os dois lados da moeda, que dizem respeito ao caráter do ser humano (o que já foi brevemente discutido em outro tópico), e que infelizmente podem fazer a diferença na balança para o bem ou para o mal.
O que eu gostaria de chamar a atenção dos meus quatro leitores é o cuidado que devemos ter quando nos depararmos com uma notícia sensacionalista veiculada sem o menor cuidado a fim de vender jornal. Isso inclusive é jogar contra o patrimônio: os mercados internacionais estão cada vez mais exigentes, e o Brasil desponta hoje como um dos maiores (senão O maior) produtor de alimentos do mundo - o que sinceramente desperta um feroz e perigoso jogo de mercados no cenário internacional. Uma notícia dessas, tratada da forma leviana como tem sido feito, colocando em xeque a eficiência da fiscalização e a qualidade higiênico-sanitária dos produtos brasileiros, literalmente é dar munição pro inimigo. E daí tome de barreiras alfandegárias, tome de queda de preços, tome de queda de vendas, tome de encalhe de produção, tome de desemprego, tome de pobreza, tome de violência, tome de tudo quanto é lado…
É preciso que a população se tranqüilize quanto a qualidade do que está consumindo, ainda que o faça de forma consciente, procurando conhecer as empresas das quais consome ou procurando as SFA’s estaduais para tirar as suas dúvidas. E é preciso que a imprensa cesse esse tipo de exploração do medo e da histeria pra vender jornal, mas isso seria querer demais. Mas se não muda a imprensa, que mude a consciência e a maturidade de quem lê (se é que também não é querer demais).
O Serviço de Inspeção Federal do Brasil é sim o melhor do mundo. Isso ninguém fala, mas essa é uma briga que o governo brasileiro tem que comprar, e não deixar pedra sobre pedra quanto à qualquer dúvida sobre sua seriedade.
No entanto, é claro que o serviço precisa de modificações, grande parte delas urgente: é preciso que se crie uma escola de formação e atualização dos profissionais de fiscalização oficial; é preciso que se melhorem as condições de trabalho oferecidas a estes mesmos profissionais (que muitas vezes trabalham em condições heróicas), e é preciso sim que a parte do empresariado que quer armar tramóia e depois enfiar tudo via enema no S.I.F seja devidamente identificada e limada do mercado, porque em muitos casos (com ou sem o envolvimento de profissionais desvirtuados do serviço) serão eles que promoverão casos tristes como estes que temos assistido, colocando em risco a imagem do país frente ao resto do mundo.
Consuma e se informe de verdade.
Inspecionado.
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4 Responses to “Pro S.I.F não se f…”
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1 Gaburah Nov 4th, 2007 at 7:31
Ontem (03/11), acordei mais cedo e acabei ligando a TV em um canal de sinal aberto. A entrevistadora recebia o presidente de um órgão tipo “associação brasileira dos produtores de leite” e um pesquisador da USP, especialista em qualidade do leite.Pra começar, todos os dois foram unânimes em tentar eliminar uma dúvida logo de cara: a fraude (adição de soda cáustica e água oxigenada) tem caráter econômico e nutricional (pela eliminação de alguns componentes do leite do tipo proteínas, gorduras, vitaminas, etc), e não sanitário, oferecendo riscos à saúde de quem consome pois a quantidade de soda/água oxigenada utilizada foi pequena demais para tanto. E ambos foram uníssonos também em livrar a cara do Serviço de Inspeção Federal - não dos fiscais supostamente envolvidos, mas sim do serviço como um todo.O que mais me impressionou, foi a maneira como a repórter distorcia tudo o que era exposto pelos entrevistados, tratando inclusive como levianas(!) algumas declarações, no que era imediatamente rebatida pelos dois técnicos. Mas tudo o que os dois diziam se diluía (assim como o leite das DUAS cooperativas de MG) em meio ao tom sensacionalista com que a apresentadora conduzia o assunto. Infelizmente, pro povão que assiste a esses canais, as colocações escandalosas da repórter com certeza têm muito mais impacto do que qualquer argumento técnico bem fundamentado. E é exatamente isso que estamos vivenciando nesse período.O programa já abriu com a cobertura da “nova descoberta de fraude em Goiás”, o que logo de cara foi esclarecido pelos dois entrevistados: o órgão responsável pela “descoberta” está sendo amplamente contestado pelos demais órgãos fiscalizadores, devido às análises e parâmetros usados para analisar os produtos.Ou seja, meus amigos: é o alarmismo que tomou conta até mesmo dos organismos de defesa do consumidor.Em SC, uma grande rede de supermercados teve a infeliz idéia de exibir sobre suas prateleiras um cartaz em letras garrafais: LEITE URUGUAIO. Ainda não tenho parâmetros para dizer se o leite uruguaio tem mesmo uma qualidade superior ou inferior à do leite brasileiro, mas prometo que esta semana vou investigar e exponho as conclusões aqui. Mas o triste é ver que a onda tomou mesmo conta do país inteiro, mesmo o caso tendo sido em duas (e apenas duas) cooperativas de Minas Gerais e o leite em questão ser comercializado apenas em MG.Não tenho escolha a não ser parafrasear o falecido Ibrahim Sued: “O populacho tem muitas cabeças, mas nenhum cérebro”.
2 Victor Nov 5th, 2007 at 16:47
A mesma característica que é útil nos jornalistas, pode ser a perigosa.A facilidade com que os mesmo tem de comunicar.O jornalista bem preparado e bem intencionado, pode transmitir para seu público leigo talvez de forma mais concisa e “entendível” aspectos técnicos. Essa é uma das funções do jornalista.Por outro lado, pela mesma característica, o jornalista mal intencionado, ou mesmo apenas despreparado, pode causar estragos mesmo.
Quando deslizou a encosta do Rebouças, fiquei de ouvido no noticiário, até porque chovia torrencialmente e precisava saber se tinha como eu chegar ao Centro do Rio (descobri pelo rádio que não). Fui ouvindo a CBN e fiquei feliz de como Sidnei Resende (não sei se escreve assim, adotei a grafia mais simplificada) procedeu com as informações do problema geotécnico do deslizamento da encosta.
Em pouco tempo, ele conseguiu colocar “no ar” o professor Mauricio Erlich da COPPE/UFRJ (que foi meu professor, inclusive). Sidnei Resende, como leigo, fazia indagações que são comuns ouvirmos, mas sempre ressaltava que era leigo no assunto, e que estava tentando repassar de forma a se fazer entender, o que o especialista no assunto dizia.
O jornalista ganhou bastante pontos comigo com essa abordagem.
Um jornalista pode ter opinião sobre assuntos que desconhece em sua essência. Ele pode recorrer à consultoria, pode estudar, mas deve deixar claro até que ponto vai sua autoridade no assunto. Recorrer a achismos e lugar-comum é legal para um papo de botequim. Na divulgação de informações, ainda mais em jornais, que o povão tomará como verdade incontestável, não pode haver leviandade.
3 ANFFA Nov 22nd, 2007 at 7:03
COMUNICADO À POPULAÇÃO
A Associação Nacional dos Fiscais Agropecuários (ANFFA), tendo em vista a gravidade dos fatos que envolveram a adulteração de leite em alguns estabelecimentos do País, vem a público esclarecer:
- É dever de todos os estabelecimentos (fazendas, cooperativas, fábricas, distribuidores, revendedores) manterem a rigorosa sanidade de seus produtos. Há leis, decretos e portarias que os obrigam a isso. Nessas mesmas leis estão previstas penas severas para quem as descumprir.
- Na impossibilidade de haver inspeção diária de todos os estabelecimentos, são feitas fiscalizações periódicas, por amostragem, prática adotada em todos os países que prezam pela sanidade dos produtos de origem animal. Tais amostras são avaliadas em laboratórios especializados, que adotam padrões internacionais.
- A conformidade do leite e de outros produtos de origem animal é o que confere ao estabelecimento o direito de exibir que tal produto passou pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), uma marca já consagrada nacional e internacionalmente presente em todos os produtos confiáveis, que assegura a confiabilidade dos produtos agropecuários brasileiros.
- O virtual desvio de comportamento de qualquer servidor público está sujeito a comissões de sindicância, processos administrativos e penais, pelos quais responde o faltante. Além disso, o elevado espírito ético dos Fiscais Federais Agropecuários os leva a rejeitar qualquer prática fraudulenta dos produtos que fiscaliza. É dever do Poder Público investigar e punir desvios. Seria leviano atribuir a uma categoria de servidores públicos a fraude de uma empresa. Por isso, conclamamos que as investigações apontem os responsáveis e lhes sejam aplicadas as penas cabíveis.
- Confiantes no elevado espírito público de nossas autoridades, continuamos a pleitear a ampliação do quadro de Fiscais Federais Agropecuários, assim como o estabelecimento das condições ideais de trabalho como a criação da Escola Superior de Fiscalização Federal Agropecuária e a transformação da atual categoria para uma carreira de auditoria-fiscal agropecuária.
- Esperamos que o episódio da fraude no leite sirva de alerta a todos para o papel estratégico exercido por uma Carreira de Estado como a dos Fiscais Federais Agropecuários e da necessidade de se dispor dos recursos orçamentários para uma fiscalização cada vez mais eficiente.
Associação Nacional dos Fiscais Agropecuários (ANFFA)