14/6/2008
Por Carlos Eduardo Young* Enquanto o lucro anual com um boi é de R$ 100, o valor do carbono emitido para o pasto crescer chega aos US$ 4.800
O pau está comendo -ou melhor, queimando- na floresta amazônica. No debate sobre o futuro da floresta, boa parte dos atores insiste em repetir antigas falas, como a necessidade de desmatar para garantir o "progresso" ou negar a realidade dos números do desmatamento. Mas existem idéias novas que podem construir o tão necessário consenso.
A mais importante delas é dar valor à floresta conservada ("em pé") como forma alternativa ao padrão tradicional de ocupação pelo desmatamento. O conceito é simples: se o valor dos serviços ambientais gerados pela floresta for maior do que o lucro obtido com a extração predatória da madeira e com a pastagem ou cultivo implementados em seu lugar, então, economicamente, seria ilógico desmatar!
Uma conta rápida exemplifica como a incorporação de apenas um desses serviços, a manutenção dos estoques de carbono, torna a conservação florestal economicamente atraente. Para adicionar um boi a mais na Amazônia, queima-se em média 1,5 hectare de floresta, lançando cerca de 180 toneladas de carbono na atmosfera -algo equivalente à emissão anual de duzentos automóveis, rodando mil quilômetros mensais!
O lucro anual que o fazendeiro pode obter com o aumento do rebanho na fronteira amazônica dificilmente ultrapassará R$ 100 por animal, e o rendimento médio está bem abaixo disso.
Mas o custo desse carbono emitido para aumentar a pastagem vale, na Bolsa de Clima de Chicago, cerca de US$ 4.800 e mais ainda no mercado europeu. Ou seja, quem está trocando ouro por espelhos não são os povos indígenas, mas a destruição causada pela nossa "marcha do progresso".
Como dar valor à floresta em pé? Pelo pagamento dos serviços ambientais da floresta, conforme propõe o Pacto do Desmatamento Zero. O pacto foi lançado em 2007, após resultado de longa negociação entre ONGs, Ministério do Meio Ambiente e governos estaduais, inclusive o Mato Grosso do governador Blairo Maggi.
Por isso, como já percebeu o ministro Carlos Minc, é a forma mais próxima de atingir consenso sobre como garantir desenvolvimento sustentável da Amazônia.
A proposta consiste em combinar o aumento de ações de fiscalização e controle do território com incentivos econômicos para os produtores que conciliem produção com conservação florestal em terras privadas.
Ações positivas
Do lado dos governos, União, Estados e municípios, significa aumentar a capacidade operacional das agências ambientais e de regularização fundiária, por meio do aumento de recursos, materiais e humanos, e incentivar a expansão e melhoria na capacidade de gestão das áreas protegidas, inclusive terras indígenas, sob controle direto do poder público.
Do lado do setor privado, o pacto prevê que ações positivas dos proprietários que investem em conservação florestal devam ser remuneradas. Esse é o ponto mais controverso, pois alguns alegam que não se deve premiar alguém por simplesmente respeitar o Código Florestal.
Mas os sucessivos fracassos em tentar conter o desmatamento somente na base da "polícia ambiental" acabaram levando a uma visão mais pragmática, pois o custo social do desmatamento é muito superior ao valor necessário para induzir à conservação da floresta.
Como financiar esse plano? Em primeiro lugar, é fundamental que os gastos com o ambiente recuperem, em termos relativos, a importância que já tiveram.
Enquanto o orçamento do governo federal previsto para transporte cresceu mais de quatro vezes entre 2004 e 2007, saltando de R$ 2 bilhões para R$ 8,8 bilhões, os gastos com proteção ambiental ficaram estagnados em torno de R$ 450 milhões.
Em termos percentuais, os gastos ambientais caíram de 6,4% das despesas com infra-estrutura em 2004 para míseros 2,3% em 2007. Simplesmente recuperar a participação relativa de 2004 significaria mais R$ 1 bilhão, e, se a meta for voltar ao gasto relativo de 1996/98, outro bilhão de reais deverá ser acrescido.
Existem formas inteligentes de gastar esse dinheiro na Amazônia, e o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), do próprio governo federal, é um bom exemplo de como a gestão ambiental pode ser incrementada com resultados práticos.
Outra forma de obter recursos é pela venda de produtos e serviços da floresta. As concessões florestais em terras públicas podem garantir outro quinhão significativo de recursos, ao mesmo tempo em que impedem a "privataria" com terras públicas -toda vez que unidades de conservação ou terras indígenas são transformadas em fazendas particulares, mais um pedaço de patrimônio público é dilapidado para aumentar a riqueza privada de alguns.
O resto da sociedade global também deve contribuir para a preservação da Amazônia, sem ferir nossa legitimidade e soberania. O BNDES acaba de anunciar a criação de um fundo nesses moldes -aliás, como já previsto pelo Pacto do Desmatamento Zero, por meio de uma doação do governo norueguês.
Mas, para que a captação seja mais efetiva e atraia recursos privados, é preciso que tais operações resultem na criação de créditos de carbono, válidos nos mercados de carbono mundiais. Até agora, o governo federal brasileiro tem insistido em que ações que reduzam o desmatamento não possam gerar créditos de carbono e, por isso, acaba penalizando o país, pois bloqueia a principal forma de pagamento pela floresta em pé.
A reversão dessa posição é fundamental para o sucesso dos fundos de desenvolvimento sustentável da Amazônia, como o recém-criado pelo próprio BNDES.
(*)CARLOS EDUARDO FRICKMANN YOUNG é professor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do RJ.Link: http://www.fundosambientais.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=70&Itemid=1
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